A Câmara de S. Vicente e a LIGOC rubricaram ontem à tarde um protocolo que repassa para a liga dos grupos carnavalescos de S. Vicente os poderes e a responsabilidade de organizar os desfiles oficiais a partir deste ano. Assinado três meses após a assembleia constitutiva da LIGOC, o acordo estipula que a autarquia continuará a ser uma das principais parceiras do Carnaval, cabendo-lhe assegurar tanto a logística do desfile como parte do financiamento dos grupos dos concursos oficiais, juntamente com o ministério da Cultura.
Esse passo, na perspectiva do edil Augusto Neves, vai retirar dos ombros da Câmara de S. Vicente parte considerável do peso que assumia com a organização integral do evento, passando agora a ter mais tempo e energia para se concentrar na retaguarda daquele que é a maior manifestaçao cultural da cidade do Mindelo. “A Liga terá que assumir a cada ano novos desafios. Hoje o financiamento é assegurado pela Câmara e o Governo, mas mais tarde esse ónus terá de ser tarefa dessa entidade”, realça o autarca, para quem a organização passa a ser a palavra-chave do Carnaval devido ao patamar que alcançou, fruto do trabalho desenvolvido pela autarquia, os grémios e a própria sociedade mindelense.
Para David Leite, a CMSV tem desenvolvido um trabalho de “alto nível” ao longo de décadas, ao ponto de S. Vicente ser palco neste momento do maior espectáculo audiovisual de Cabo Verde: o Carnaval. Porém, prossegue, o evento atingiu um nível de exigência que extravasa o papel e a própria atribuição da autarquia, pelo que é chegado o momento de um organismo independente assumir esse desafio. “E nada mais justo que seja uma organização representativa dos próprios grupos”, considera o vice-presidente do conselho deliberativo da LIGOC, órgão constituído pelos responsáveis dos cinco grupos fundadores da Liga, que enaltece ainda o facto de a CMSV continuar a ser a principal parceira dessa expressiva manifestação cultural em S. Vicente.
Este acordo é assinado numa altura em que paira uma “guerra-fria” entre a LIGOC e a direcção do Estrela do Mar, grupo que acusa a Liga de tentar boicotar a sua participação no desfile oficial de 2019 e que, por conta disso, já ameaçou fechar a Rua de Lisboa no dia do Carnaval. Confrontado com essa postura, David Leite assegurou que a Liga é uma organização aberta a todos os grupos, que têm o seu espaço reservado, mas desde que reúnam os requisitos legais estabelecidos nos Estatutos dessa organização. Indo mais ao pormenor, Leite esclarece que, com base nas novas normas, os sócios da LIGOC precisam ter os seus Estatutos aprovados em assembleia-geral, escritura reconhecida e o seu número NIF, enfim, ter personalidade jurídica. Isto tudo porque, diz, o Carnaval é financiado com dinheiro público, logo é preciso prestar contas.
LIGOC aguarda pedidos de adesão de grupos
Até o momento, segundo esse dirigente, a Liga não recebeu o pedido formal de nenhum grémio para ser aceite como sócio. Por outras palavras, o Estrela do Mar ainda não deu esse passo, que parece ser fundamental para as suas pretensões de sair no sambódromo do Mindelo no próximo ano. Isto quando, segundo Leite, o Regulamento para o desfile de 2019 já está aprovado. Nesse instrumento, que começou a ser preparado desde Maio, estão inscritos os cinco grupos dos últimos anos: Samba Tropical, Vindos do Oriente, Monte Sossego, Flores do Mindelo e Cruzeiros do Norte, sendo que os quatro últimos é que competem no concurso oficial.
“Temos de trabalhar com antecedência, não podemos ficar parados por causa da eventualidade de aparecer outros grupos. A organização tem de funcionar e até este momento, voltamos a frisar, nenhum grupo endereçou qualquer pedido de adesão à LIGOC”, salienta Leite, deixando claro que os pedidos de entrada serão analisados e enquadrados de acordo com o regulamento. Como explica, os pedidos podem ser formalizados a qualquer altura, mas deixa claro que a Liga trabalha com base em dois documentos essenciais: os Estatutos e o Regulamento do Carnaval.
Os Estatutos da LIGOC, como esclarece David Leite, contemplam quatro categorias de sócios (fundadores, beneméritos, honorários e transitórios), deixando perceber que os grupos que vierem a solicitar a sua pertença à Liga deverão ficar enquadrados no último tipo. Isto porque o objectivo da Liga é criar duas divisões, uma principal com os quatro grupos oficiais inscritos até agora e outra de acesso, composta por outras agremiações. “Aqui não há desfile de animação”, faz questão de salientar. Deste modo, o último lugar da divisão principal desce para a prova de acesso, enquanto o primeiro lugar deste segundo nível sobe para o grupo principal.
Embora nenhum grupo “novo” tenha ainda solicitado a sua inscrição, David Leite acredita que isso possa acontecer a qualquer momento. E garante que o regulamento do Carnaval 2019 já prevê a realização do concurso da divisão de acesso, caso seja preciso. Por isso, diz, esse documento será brevemente publicado pela LIGOC.
Lei igual para todos
Para o edil Augusto Neves, Carnaval é folia e alegria e quem pensa de forma diferente não pode ser considerado um verdadeiro carnavalesco. Feito esse reparo, Neves deixa claro que as normas são para serem cumpridas por todos, até porque a organização passou a ser a linha orientadora do Carnaval. “Temos de aprender a conviver com normas para podermos estar à altura. E é óbvio que os grupos têm de estar legalmente constituídos. A Liga tem todo o apoio da Câmara de S. Vicente para poder fazer um Carnaval cada vez melhor porque se trata de um evento com um peso fundamental na economia de S. Vicente”, salienta Neves.
Questionado se a CMSV estaria na disposição de intermediar um encontro de conciliação entre a LIGOC e Estrela do Mar por causa do clima de crispação reinante, o autarca esclareceu, em primeiro lugar, que não existe neste momento nenhuma “guerra-fria” entre as partes. Isto pelo simples facto de a direcção da Liga assumir que a organização está de portas abertas a qualquer grupo, mas desde que reúna os requisitos legais para o efeito.
“Nem a Liga, nem a Câmara está contra seja quem for. A Câmara está aberta a discutir qualquer assunto com qualquer grupo, mas temos de respeitar as normas. Acho que não é nada de mais exigir requisitos básicos para a inscrição dos grupos”, considera Augusto Neves, para quem não faz sentido exigir documentação ao Monte Sossego ou Vindos do Oriente e depois abrir excepção a outra agremiação. “Lei para um, lei para todos”, defende.
A direcção da LIGOC já tem traçado o seu plano de actividades e a sua linha orientadora para os dois anos de mandato. Como anunciou Marco Bento, a Liga vai trabalhar para manter a tradição e aumentar a qualidade do Carnaval e ao mesmo tempo transformar o evento numa indústria. “Esta indústria é que nos permite traçar os cinco pilares do nosso core business: explorar os serviços – porque há um comércio que gira em torno do evento -, levar o Carnaval a ser autossuficiente – arranjando fundos através do aluguer de bancadas e venda de direitos –, formação interna dos membros da Liga, formação contínua dos artistas e bateristas…”, revela Bento, que confirma a colocação de bancadas no desfile do próximo ano e a sonorização do circuito.
Kim-Zé Brito